domingo, 7 de fevereiro de 2010

O velho barco










Adimiti-lo velho seria chamar-me assim também. Entretanto o era. E já eu àquele tempo, o de sua aquisição, vivia irrespondível às datas. Nenhum calendário, nenhum lembrete.

O tom trágico, não caia em ilusão, revela, sim, autopiedade. Mas, o que esperar num barco velho que não sei se me contempla não sei se o contemplo e de entreolharmo-nos caridosamente nos unimos? E nenhuma paixão. Nenhum amigo veio a estibordo contemplar o mar longe. Embora nunca havia eu planejado dele fazer meu refúgio, aconteceu-me assim. Guardo aqui, então, os últimos dos meus dias, que são exatamente cada um.

A graça vem de estar-me vivo e lamentando. Pois que esotu vivo e, sim, lamentando. Não haveria de ser diferente, corpo cansado este meu só faz-se dor, e minha mente não interessa mais em maus ou bons pensamentos. Reserva-se unicamente à vontade de contemplação. Contemplo, então, meus dias outros, meus dias primeiros quando o cais atraiu-me e rastejante vim, cedendo a um vício.

O velho barco...se seu cinza atraiu-me, primeiramente, repudia-me hoje notar-me entregue completamente a ele. Sem data precisa para referir-lhes, só digo que não ultrapassa os dez anos a compra por mim deste sujo lar. Não resido aqui, ainda, apesar de sofrer a escrita na mesa empoeirada deste lugar. Casa tenho eu a minha, mas nada próximo a um lar. Quando se aproxima de verdade da deconhecida fatal, ironicamente, não há mais lares.

Eis-me então, neste barco que diz-me mais de mim que eu mesmo, e esta carcaça então não pode bem ser extensãod e minha própria carcaça? Não sou, também, estas velas? O vento que nelas bate também não me assopra? Pois sim...

Tomei dele posse porque o sou. Cinza. E o barco sobre o mar, tocando-o mas não o penetrando sou eu passando pela vida. E o mar abandandonando-o é a vida a cansar-se-me. Ainda quando estático, em nada este barco atenta para o mar. Apenas flutua. De flutuar-me, de sempre às margens ancorar-me, eis que não ganho escusa alguma. Eis. Eis, neste velho barco, este velho homem sem medida alguma, que foi, não como o rio de Lídia, ou de Heráclito, pois que venho sido sempre o mesmo cansado homem a vida inteira. E, de tudo o que construí - palavras, palavras, palavras - faltam-me mais n'ora esta d'agora.

Este tempo é o tempo do naufrágio. Mas quando eu naufragar, ainda impenetrável este barco ficará aqui, e então sou menor que o barco, sou menos. E sou menos ainda porque o mar que me espera não é o mesmo mar por sobre onde me guiei todo o tempo, mas apenas seu reverso e fim.

Adimitir-me velho implica adimitir-me mortal, enfim. E isso me separa do barco, criatura fantasiosa minha e marginal, sendo eu não sua extensão, já que sobre si nada decide o barco, é sempre marginal, é sempre um porto. Enquanto eu, marginal a mim, ainda assim entro em minha história e sobre ela decido, mudo, divago, escrevo. E não.

São horas. O escuro da noite toca o mar. Do barco me despeço, meu companheiro, mas não eu

sábado, 30 de janeiro de 2010













Partiste quando Fevereiro já aproximava.
Não esperaste pela Primavera que se avizinhava
Pois tu sabias que as flores não desabrochavam.
Partiste…
E eu de ti já sinto saudades
Das tuas mãos que as dores me acalmavam
Dos teus olhos às vezes fuzilantes
Do teu assobio que me chamava no meio das multidões.
Partiste…
Em mim ficaram as lições que me ensinaste
A esperança de ser digno do teu nome…
Partiste…
Mais do que pai, “amigo maior que o pensamento”
Partiste…
Para a tua fraternidade das estrelas !
Partiste…
Mas eu sei que voas
Nas asas de uma gaivota sobre o mar !

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O MEU BARCO VELEIRO






Por muito que corra o mundo inteiro
Por mais rias e mar a navegar…
Não há outro barco, nem barqueiro
Num sonho que nasceu perto do mar!



Nem há um outro arrais ou companheiro
Nem há um outro porto de chegar…
Nem as velas mais brancas do veleiro
Que fazem a nossa alma libertar!...



É assim o lindo barco veleiro…
Deste singular sonho cor de rosa
E sempre com carinho verdadeiro
Ao vê-lo navegar fico ditosa!



Gostava de ser eterno passageiro
Que na ria navega sem parar…
Dentro da alma o sonho verdadeiro
A jóia dum passado secular!



E dele serei sempre eterna amante,
A devolver-lhe toda esta ternura
Porque sinto em minha alma o navegante
De Aveiro - um passado que perdura!



O barco tem magia, tem encanto
A deslizar docemente sobre a ria
A Virgem vai nele com seu manto
Numa rota de Sonho e de Poesia!



Embalada no seu belo roteiro…
Cantarei os meus hinos de esperança
Na saudade desse barco veleiro
Que vive em mim dos tempos de Criança!

Gaivotas sobrevoam a praia









Esmeraldas vivas
Não são ilusões da verdade
Nem tampouco mentiras
Que a vida é finita, por um milagre
Acima do oceano
Gaivotas sobrevoam a praia
Entre os rochedos molhados
Diante do teu olhar
Tudo o que está em cima
Está reflectido abaixo
E, tudo o que está abaixo
Está reflectido em cima
O Sol é o pai
A Lua a mãe
O vento o ventre
A Terra a nutris
Mas, neste instante
Estou entre as gaivotas
Voando no horizonte
Do teu olhar
Alimentando-me
Da tua emoção
Através das gotas
De tuas lágrimas
Lembre-se:
À deriva
Navegue no meu manso oceano
Que eu te juro
Dar-te-ei sempre
Meu porto seguro
Guarda-me
Para sempre
Por onde for
Teu coração...

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

no teu poema

NO TEU POEMA
EXISTE UM CANTOCHÃO ALENTEJANO
A RUA E O PREGÃO DE UMA VARINA
E UM BARCO ASSOPRADO A TODO O PANO
EXISTE UM RIO
O CANTO EM VOZES JUNTAS VOZES CERTAS
CANÇÃO DE UMA SÓ LETRA
E UM SÓ DESTINO A EMBARCAR
NO CAIS DA NOVA NAU DAS DESCOBERTAS
EXISTE UM RIO
A SINA DE QUEM NASCE FRACO OU FORTE
O RISCO, A RAIVA E A LUTA DE QUEM CAI
OU QUE RESISTE
QUE VENCE OU ADORMECE ANTES DA MORTE.
NO TEU POEMA
EXISTE A ESPERANÇA ACESA ATRÁS DO MURO
EXISTE TUDO O MAIS QUE AINDA ME ESCAPA
E UM VERSO EM BRANCO À ESPERA DO FUTURO